quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Boa pergunta, Ministro: "Se os homens pudessem engravidar, o aborto seria criminalizado?"

Por Daniela

Mais de 1 milhão e 100 mil abortos clandestinos por ano no Brasil.
Aborto: 3ª causa morte de morte materna no país.

Dá pra reduzir a questão a uma polêmica religiosa?

Também estou esses dias com a entrevista do Ministro José Gomes Temporão que com muita coragem e embasamento RACIONAL porpõe abrir a discussão. Vamos lembrar alguns momentos e, quem quiser, pode ir direto na página do Roda Viva ler a entrevista na íntegra. Os grifos são nossos. Boa leitura!

"Paulo Markun: Eu queria entender porque o senhor decidiu tomar a frente essa discussão do aborto, que não é uma discussão fácil. É uma forma de, digamos assim, desviar a atenção de outras questões graves da saúde brasileira? José Gomes Temporão: Na realidade, não fui eu que tomei a frente dessa questão, foi a realidade que se impôs à nossa frente. É interessante lembrar um pouco como foi o contexto. No meu discurso de posse, um dos 22 pontos que eu coloquei como grandes questões, de grandes desafios, digamos assim, coloquei a questão da política de direitos sexuais reprodutivos. E, dentro dessa política, uma política de planejamento familiar, democratização de acesso aos métodos, de educação e informação. E em uma entrevista para o jornal O Dia, logo na primeira semana, dentro de uma discussão muito ampla, discuti sobre quase tudo que se pode imaginar sobre saúde pública. Houve uma pergunta específica sobre esta questão, uma repórter virou para mim e perguntou qual era a minha posição sobre o aborto. E eu coloquei que a minha posição era uma posição de abrir o debate, de um lado. E de outro lado, que eu queria falar como sanitarista, e que esta era uma questão de saúde pública importante, que afetava de perto a saúde, a vida e a morte de milhares de mulheres brasileiras. E a partir daí, o que se viu, na realidade, com essa minha colocação, o que estava coberto com um véu, e eu diria que por certo tom de cinismo da sociedade, o que aconteceu foi uma grande discussão que começou. O que demonstra que a sociedade quer discutir esta questão. Paulo Markun: O senhor acha que foi positivo? José Gomes Temporão: Com certeza. É sempre positivo. Reinaldo Azevedo: Ministro, vamos então tirar o véu do cinismo. Eu me desculpo primeiro pelo chapéu, por razão médica, o senhor é médico, há de compreender. Então, vamos tirar o véu do cinismo. No debate entre o Kerry [John Forbes Kerry, atual senador do estado de Massachussets, EUA. Disputou as eleições presidenciais em 2004, quando perdeu para George W. Bush] e o Bush [George Walker Bush, presidente dos EUA], na eleição dos Estados Unidos, naqueles debates que eles fazem, uma eleitora americana perguntou a ambos: "o senhor é favorável ao aborto?". E o Kerry disse: "Veja bem, eu como homem público sou a favor do debate, como católico sou contra, então, eu gostaria que vocês entendessem...". Os Estados Unidos não se tornaram uma grande nação assim. Eles se tornaram uma grande nação dizendo sim ou não, inclusive na hora de fazer guerra. Foram perguntar para o Bush e o Bush disse: "Sou favorável ao aborto". Então, eu faço uma questão que a grande nação americana se fez: o senhor é favorável ao aborto? José Gomes Temporão: Ninguém é favorável ao aborto. Nem as mulheres que praticam, eventualmente, ou que foram levadas a praticá-lo. Reinaldo Azevedo: Então, faço rigorosamente aquela pergunta: o senhor é favorável à descriminalização do aborto? José Gomes Temporão: Eu vou responder. Acho que aí é que está o viés, os que não querem discutir, não querem enfrentar essa questão de frente, de peito aberto, puxam sempre a questão do aborto: sim ou não. Nós temos que discutir esta questão dentro da política de direitos sexuais e reprodutivos, de planejamento familiar, onde as pessoas possam ter acesso à informação. Desde a escola, que os jovens e adolescentes possam ter orientação sexual, que os casais possam discutir quando, em que momento, em que número querem organizar a sua família e que o Estado provenha aos casais à possibilidade de ter acesso aos métodos contraceptivos, com regularidade, tempo e hora. Uma pesquisa de 2004 realizada pelo Ministério da Saúde mostrou que apenas 50% dos municípios brasileiros tinham, no momento da visita das unidades de saúde, pílula anticoncepcional e preservativo masculino disponíveis. Reinaldo Azevedo: Mas isso é então incompetência do Ministério da Saúde? José Gomes Temporão: Não. É do sistema. Inclusive eu acho que há uma necessidade de uma mudança radical no processo de “dispensação” e de colocar à disposição da população... Reinaldo Azevedo: Quer dizer que o senhor admite que se houver uma universalização da distribuição de pílulas anticoncepcionais e de preservativo, gratuitos para quem precisa, a questão do aborto se torna menos importante? José Gomes Temporão: Eu acrescentaria: informação, educação e liberdade para discutir livremente as questões relativas à sexualidade. Reinaldo Azevedo [interrompendo]: Junto com a informação, a educação, quer dizer que a questão do aborto nasce da falta de informação e nasce da falta de uma política eficiente da saúde pública? José Gomes Temporão: Com certeza é um componente importante. E veja, nós estamos falando de um milhão e 100 mil abortos clandestinos por ano no Brasil. Aliás, eu tenho uma pergunta interessante: se os homens pudessem engravidar, o aborto seria criminalizado como é no Brasil? Reinaldo Azevedo: Eu respondo ao senhor com outra pergunta, encerrando a minha intervenção agora: o Ministério da Saúde que não consegue prover a laqueadura de trompas para quem quer, consegue dar conta de um milhão e 100 mil abortos? Quanto custa cada aborto? Quanto isso implica em dinheiro? José Gomes Temporão: Nós gastamos cerca de 34 milhões de reais no ano passado para atender 220 mil mulheres que fizeram curetagem após o aborto. Reinaldo Azevedo: Um milhão de abortos seria mais barato? José Gomes Temporão: Você não entendeu. Um milhão de abortos é o número que o Instituto Americano projeta de abortos não legalizados. Eu estou dizendo que os números oficiais, que as estatísticas registradas falam em 220 mil curetagens. Então nós temos entre 220 e um milhão, o número gigantesco de mulheres que sequer eventualmente chegam ao serviço de saúde. Quero chamar a atenção que essas mulheres passam por uma situação de dor física e psíquica extremamente grave. Na discussão, esta questão fica sempre de fora. Eu quero colocar esta discussão dentro, porque é uma questão de saúde pública. Eu, como ministro da Saúde, como um dos responsáveis, talvez o maior responsável pela política de saúde, não posso me calar diante de uma coisa desse tamanho. Nós estamos falando de quantos Iraques, de quantos? Sei lá... É uma coisa séria, dramática.

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