quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Resposta ao Pondé por Rita Alves


Caríssimo, 

Seu artigo é uma catástrofe. Muito me espanta um homem com sua relevância midiática fazer uso de um precioso espaço para tantos absurdos num único artigo.

Por acaso você conhece - conhece mesmo, de fato, com profundidade e consistência - a história dos irmãos Villas Boas e o que dessa
 história temos como resultados humanitários, além, muito além dos resultados antropológicos?


Saberá o caro jornalista e filósofo que algumas etnias foram salvas de extinção e que junto com extinção de índios paralelamente há todo um contexto social, temas ligados diretamente a produção de soja em larga escala, gado, extração de minérios preciosos de modo ilícito, organizações internacionais que adquirem terras ameaçando nossa soberania...?

O jornalista extingue, com seu artigo infeliz o legado de Darcy Ribeiro, Claude Levi-Strauss, Marechal Rondon, além de uma cultura milenar, muito anterior a apropriação europeia do continente, de três mil anos. 

Saberá o amigo do que trata toda uma vida de pesquisa da antropóloga Betty Mindlin? Conhecerá o acervo fotográfico de Maureen Basilliat? Tudo jogado no lixo jornalístico escrito por você.

Terá também o jornalista e filósofo Pondé assistido à entrevista feita pelo psicanalista Jorge Forbes com o filósofo e pensador francês Luc Ferry, em que eles nos alertam para o fim das grandes revoluções e nos chamam a atenção para as pequenas revoluções feitas através das redes sociais, alterando comportamentos e rumos históricos?

Pois bem, depois de ler o seu artigo, concluo que você é a pessoa desinformada ou mal formada. E com o agravante de levantar a público algo seríssimo: você é um formador de opinião. 

Não assinei meu sobrenome como Guarani-Kayowa, no entanto, os que o fizeram conseguiram com este feito alertar as autoridades para a questão.

Cinismo absurdo pedir que os índios trabalhem. Você está novamente desinformado: eles trabalham. É a ÚNICA organização social que sempre funcionou, com respeito às diferenças, organização sim, em que cada um tem uma função no sentido de utilidade para o grupo; Afora as investidas civilizatórias de corrupção e vícios como álcool e fumo, além de prostituição, que acontecem com os índios justamente FORA das preciosas reservas. Não são reservas temáticas, meu caro. É reserva de terra. Para que pessoas com sua mentalidade não queiram empresariar o espaço. Para que dentro dessas reservas os verdadeiros donos de onde você e eu moramos possam exercitar o seu sagrado direito de liberdade e propriedade: cultura. Pagar impostos? Eles já pagaram com a vida, afinal, nós matamos centenas de milhares de índios em pouco mais de quinhentos anos. Pagaram também com muita terra, sendo excluídos de sua casa violentamente. 

O amigo também não saberá que nosso estado de São Paulo inaugurou o Parque Orlando Villas Boas, com projeto de museu/centro de formação criado por um dos mais relevantes e respeitados nomes de nossa arquitetura, Ruy Ohtake. Não saberá que a família Villas Boas tem mais de duas mil peças indígenas - algumas que já não existem por ações como a sua - e acervo fotográfico, filmes, etnologia e registros de troncos linguísticos, fonte para nossos cientistas e de todo o mundo? Também está desinformado de que museus de todo o planeta solicitam informações sobre o modo de vida dos índios, como exemplo de sociabilidade e comunhão. 

Bem, meu caro, vou fazer uso justamente da rede social para publicar este e-mail, solicitando a você uma RETRATAÇÃO PÚBLICA diante da nação envergonhada com seu texto.

Rita Alves - Membro Fundadora do Instituto Orlando Villas Boas
         
Rita Alves é historiadora, crítica literária, ensaísta e poeta. Veja seu blog: http://teladeletras.zip.net/ 
Aqui o artigo do "Filósofo": http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/1187356-guarani-kaiowa-de-boutique.shtml  

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Entrevista com Manuel Castells

Uma verdadeira aula de história contemporânea que dedicamos aos eleitores paulistanos: 

Programa "A vivir que son dos días" de Cadena Ser entrevista Manuel Castells


No cenário da crise europeia, as mobilizações nas ruas e redes sociais mostram que "as pessoas estão mudando sua forma de pensar (...) e sempre as sociedades se transformam quando as pessoas alteram sua forma de pensar e, a partir daí, se colocam em movimento". Seja todo(a) ouvidos:


domingo, 24 de junho de 2012

Na disputa Maluf X Erundina quem perdeu foi a cidade de São Paulo


São Paulo, eleições municipais 2012. A bola da vez é a velha e requentada novela sobre alianças políticas polêmicas. O coro: OH! Lula e Haddad na foto com Maluf! OH!

Quem mudou? Ninguém. Esse é o problema. São Paulo mudou muito pouco, politicamente falando, é claro.

O tipo político “rouba, mas faz” que Maluf herdou de Adhemar de Barros, que herdou de... que herdou... ainda vale muitos votos. É incrível, mas o Maluf ainda tem muitos eleitores por aqui. O Maluf não mudou.

O Lula, visivelmente, não está nada confortável com a situação. Ele não mudou só por causa de uma aliança polêmica a mais ou a menos. Talvez, em São Paulo, tenha desistido, mas não mudado. Diria que se curvou a São Paulo, que não muda seus votos e, afinal, as alianças servem para angariar votos. A forma de fazer política também não mudou.


A imprensa não mudou, continua dispersando o foco das questões que interessam de fato à população.

Erundina não mudou. Manteve a sua integridade e dignidade já habituais.

Os militantes do PT também não mudaram: insistem em defender uma estratégia de campanha que é um verdadeiro tiro no pé.

Divulgar Erundina como vice e Maluf como aliado, na mesma semana, é pôr a perder os votos de ambos. Claro, os eleitores de Erundina não têm uma boa imagem de Maluf e seus eleitores; e vice-versa. É uma questão de comunicação com seus públicos-alvos. Que planejamento de marketing tresloucado é esse? Na semana que ela deveria ser a estrela do momento vem seu “arquiinimigo” posar de companheiro na foto! 

Não era a hora mesmo de “malufar” a cena. Entendo perfeitamente a rejeição dos eleitores de Erundina que conhecem a história da cidade e do Brasil. Ela, que conhece os seus eleitores, sabe que eles iriam apoiar a sua retirada. Vejam quantos votos o PT vai perder... O problema não foi a aliança, mas o momento e a circunstância em que ela se deu. O problema foi a estratégia de campanha.

Assim, a campanha do PT em São Paulo também não mudou, continua fazendo gol contra. Assim como na disputa entre Marta e Kassab quando deu um tiro no pé que culminou na vitória do adversário ao questionar o seu estado civil, para citar a mais recente. Marta não teve nada a ver com a grosseria e pagou o pato por sua propaganda carregar um preconceito que ela própria não carrega. O poder que os candidatos/líderes dos partidos têm sobre a sua campanha não é tão decisivo quanto imaginamos.

Qualquer coisa por mais um minuto na televisão, por uns votos a mais... Que desespero do PT em São Paulo! Isso não podia dar certo. Tão previsível, não sei como não enxergaram isso. Uma pena, porque a dobradinha de um ministro da educação com uma ex-prefeita cuja prioridade era de fato a educação poderia quem sabe fazer São Paulo estudar história e aprender a votar...  

segunda-feira, 9 de abril de 2012

UMA REFLEXÃO SOBRE A PEC 215/00

Por Andrea Jakubaszko*

Do site da OPAN


“Um dia
a nossa pátria ó mãe tão distraída
sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações…”
Chico buarque de Holanda.

Ai, as emendas do Brasil
O contexto da votação da PEC 215/00 seria cômico se não fosse Trágico. Expressa o ‘jeitinho’ de uma nação, expert em fazer remendos constitucionais para atender a interesses privados.
Constituição - 1988:  momento único autenticamente democrático vivido pela Nação Brasil. Políssêmico. Plural.
O desrespeito extrapola os Povos Indígenas, Quilombolas, porque atinge acima de tudo a história de uma nação e sua capacidade de constituir suas leis, desqualifica os próprios poderes instaurados e representados por políticos que ainda deveriam merecer ser alvo de respeito (os constituintes) juntamente com os interesses públicos e seus não menos importantes representantes civis e a União.
Ainda que o atual e lamentável quorum de deputados que aí  figura – criaturas que não sabem nada de História, nada de Política, nada de Leis, nada do Brasil – politiqueiros que estão longe de ser Politikus - ao imaginarem que sabem o que fizeram, não imaginam: o que estão fazendo.
Responsabilizar a superpopulação mundial e o mercado chinês para justificar submeter toda uma Nação e seus múltiplos e diversos interesses ao retrocesso, configura, nesse caso limite, um Ato Legal de Terror. O Brasil já foi telespectador de muitos, mas tenebroso como esse parece ser sem precedentes. As derrotas somaram-se uma a uma, desde as condicionantes do STF pós demarcação Raposa Serra do Sol (RR), os zonementos ambientais estaduais, grandes obras e negociatas, código florestal e agora - o golpe final.
O que há por trás da PEC 215/00 ?
Fazer justiça aos latifúndios? Fazer justiça ao agronegócio? Fazer justiça à fome do mundo? Fazer justiça ao devido Progresso do Brasil? Havia me esquecido que o Brasil entende de Justiça Social como poucos.
A opnião pública(da) recorrentemente apoia-se em algumas ideias que precisam ser esclarecidas:
1)      Que Terras Indígenas, e a Amazônia de modo geral, configuram terras improdutivas.
2)      A velha ideia de que há muita Terra para pouco índio.
3)      Que Terra de Índio ameaça a soberania do território nacional.
O único e mais sério problema, pouco enunciado, é que os índios não têm nada a ver com tudo isso (até porque estão evidentemente invisíveis nessa malgrada transação) e no final, mais uma vez, devem pagar o pato!
AMAZÔNIA[1]
Terra        Povos       Matas       Água doce      Biodiversidade    Alimentos    Remédios   Saúde
Biopirataria
Ouro      Prata     Diamante
Garimpo
Fauna     Flora     Florestas
Venda ilegal de madeiras / tráfico ilegal de animais
Culturas       Conhecimentos       Técnicas       Saberes      Patrimônios
Tecnopirataria   /    Expoliação
Urânio      Petróleo      Bauxita
Imperialismo
Efetivamente o que está em questão não é o tamanho nem a produtividade de Terras Indígenas que, esclarecemos, correspondem a Terras da União – Tesouro e Patrimônio Nacional - incluindo os sistemas simbólicos (diversidade de culturas) que o alimentam e sustentam.  O que está em questão, portanto, é a capacidade dos cidadãos brasileiros em compreender esse cenário complexo e os diversos interesses em jogo.
Em nosso processo histórico de formação de uma identidade nacional, ainda que desde cedo, na escola, nos habituemos a declarar que a cultura brasileira é também fruto da herança indígena, raramente estamos predispostos a reconhecer e se identificar com essa herança. Apesar da pluralidade de culturas e línguas que configura o Brasil, reconhecido como um país pluriétnico e multicultural, parcelas significativas da população ainda se surpreendem ao descobrir a resistência e existência persistente das culturas indígenas, vivas e presentes no cenário nacional. A surpresa, comumente, vem acompanhada ainda pelo espanto de perceber que muito das práticas culturais tradicionais permanecem atuantes.
O curioso é que esse espanto revela, com freqüência, o sentimento que traduz o estranhamento dessa diferença e dessa persistência pelo sentido do exótico ou do arcaico. Incorporamos com extrema facilidade e leveza novidades tecnológicas, manifestações culturais e comportamentais de vários outros lugares do mundo e, no entanto, consideramos exótica (ou atrasada) a nossa própria tradição, suas raízes, fundamentos e territorialidades. Nos espelhamos cotidianamente nos países chamados de ‘primeiro mundo’, porém, esquecemos que o reconhecimento da tradição e o respeito ao seu patrimônio cultural, natural e histórico, articula um eixo vital de seus padrões de desenvolvimento.
Por essa razão, compreender o que significam estas Terras da União é extremamente importante para o nosso próprio reconhecimento, o reconhecimento de um nós tão caro à concretização de um sentimento de nação. Incorporar referenciais dados por estas nações nativas e seus saberes significa valorizar e legitimar nossas possibilidades históricas tanto no que se refere ao passado quanto no que diz respeito ao presente e ao futuro. Mais do que museus e arquivos, o Brasil ainda precisa caminhar muito na direção de conhecer e respeitar as tantas expressões, vivas e atuantes, que configuram a realidade do país e as potencialidades diversas de desenvolvimento que essas expressões sustentam. 
O caminho mais imediato para a internacionalização e a ameaça de soberania nacional é converter as Terras da União em propriedades privadas para cultivo de commodities e produção exógena tipo exportação. Nesse caso, interesses antinacionais sem dúvida serão vitoriosos. Esta é a Justiça Social defendida pela Câmara dos Deputados na defesa da PEC 215/00.
O nosso legislativo, em sua insana transgressão pode, desta vez, fazer eclodir aquilo que no Brasil sempre se manifestou de modo local e controlável pelo Estado – rebeliões civis. Caso esta PEC venha a ser futuramente aprovada pelo congresso nacional, com assombro, talvez vejamos enfim O Terror de uma Nação.
                                       “numa enchente amazônica,                                                                                                                    numa explosão atlântica,                                                                                                                  a multidão vendo em pânico,                                                                                                                         a multidão vendo atônita,   ainda que tarde,                                                                     o seu despertar”
Chico Buarque de Holanda
 Andrea Jakubaszko é antropóloga, Mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP e Membro do Conselho Diretor da OPAN - Operação Amazônia Nativa.