quarta-feira, 30 de março de 2011

Povo Argentino apoia ação sindical contra o Jornal Clarín

Por Dalva Teodorescu


Ninguém pode se felicitar que um jornal seja impedido de chegar às bancas. Foi o que aconteceu com a edição de domingo do jornal argentino Clarím, em razão de um conflito sindical com o grupo de mídia.

Durante todo o dia o canal de TV do grupo Clarín divulgava sem interrupção, que o país estava sofrendo o maior atentado à democracia, desde o fim da ditadura. Que o jornal havia sido bloqueado por membros do CGT, chefiada por Hugo Moyano.

No final do dia já anunciavam que a ação dos sindicalistas tinha a cumplicidade do governo de Cristina Kirchenner.

Fiz um zapping para ver o que diziam os outros canais sobre o assunto. Nada. Era um problema de Clarín com seus funcionários, visivelmente.

Na ida ao restaurante, perguntei ao motorista do taxi o que estava acontecendo. Quase irritado com minha pergunta o taxista respondeu que eram trabalhadores defendendo os direitos deles e que Clarín estava metido com a ditadura militar.

Já no restaurante, perguntei ao jovem garçom se os trabalhadores tinham razão. O jovem prontamente respondeu que sim. Mas que ainda não se sabia o motivo do bloqueio porque Clarín recusava a informar. Indaguei sobre a participação do governo. O garçom educadamente respondeu “é possível, mas quando o trabalhador manifesta ele defende seus direitos”.

De volta ao hotel, o motorista de taxi, claramente de esquerda mas não Kirchennista, apoiava vivamente o que chamava uma causa trabalhista. Lembrava que cada vez que Clarín era pressionado, por exemplo, pelo DNA dos filhos de Ernestina Herrera, supostamente filhos de desaparecidos da ditadura, o jornal vinha com a história de ataque à liberdade de imprensa. Quando era questionado sobre o monopólio do Papel Imprensa nas mãos do grupos Clarín e Nation, era ataque á liberdade de imprensa. “ E a Globo do Brasil", disse.

No dia seguinte fui comprar os jornais do dia. Clarín apareceu com a capa em branco. Pedi um exemplar e outro do Nation. O jornaleiro me disse então: “Clarín e Nation é a mesma coisa, se quiser entender o que acontece tem que comprar o Tiempo Argentino.”

No quarto, com a TV ligada, perguntei à camareira se o povo argentino estava acompanhando o assunto. “Claro que sim”, me respondeu. “São trabalhadores lutando por seus direitos”.

Pensei que, em caso parecido, faço a mesma pergunta à minha diarista e ela me responde invariavelmente: “Ouvi alguma coisa, mas não entendi nada”.

Insisti ainda que para Clarím era uma ameaça à liberdade de expressão, com a mão do governo. “Que nada, eles sempre falam isso, mas ninguém acredita”, respondeu.

Os argentinos acusavam o Jornal por não ter dado cobertura à temas que lhes são caros, como a marcha pela Memória, a Verdade e a Justiça e as fraudes nas eleiçoes por grupos de oposição.

Lembrei-me da época em que a Rede Globo gozava de 80% de audiência, mas não tinha credibilidade perante o povo brasileiro que repetiam sem cansar: “O Povo não é bobo abaixo a rede Globo” .

Clarín é o maior grupo de comunicação da Argentina, mas não tem a credibilidade nem o respeito do povo argentino.

Na TV, Clarín intensificava suas queixas anunciando que o mundo inteiro repudiava o bloqueio. Na verdade, o Jornal mobilizou associações como a questionável SIP, que já teve que pedir desculpa ao ex presidente Lula por denúncia infundada sobre ameaça à livre expressão no Brasil.

O canal de TV ligado ao grupo Nation denunciava o descaso do governo ao não enviar tropas da polícia para impedir o bloqueio.

Em ano eleitoral , parlamentares da oposição ao governo de Cristina Kirchenner criticavam o autoritarismo do sindicato e do governo e a ameaça à liberdade de imprensa e à democracia.

Já o canal 13, o TN e o Jornal Tiempo Argentino, manifestaram apoio e solidariedade aos sindicalistas “repudiando a atitude manipuladora de Clarín por apresentar um direito trabalhista como uma vulnerabilidade do direito de liberdade de imprensa”.

Todos os jornalistas políticos do Tiempo Argentino ironizaram a capa branca do Jornal, lembrando sua relação com a ditadura militar e o fato do Jornal tomar um conflito sindical por um ataque à liberdade de imprensa.

No caminho para o aeroporto o taxista me perguntou se tinha gostado do país, se tinha sido bem recebida. Contou que há cinco anos o país estava em ruínas e hoje o congresso estava discutindo mais impostos para os ricos para diminuir os dos pobres. “um sonho de nossa juventude, quem diria!”. Outro sonho? A polícia quando intervém em conflitos não pode estar armada.

O taxista repetiu todos os males que o grupo Clarín praticou durante a ditadura e disse que o povo quer o DNA dos filhos de Ernestina Herrera e a comissão da Memória, da Verdade e Justiça.

Disse ainda que Clarín está mal por seus candidatos ter fraudado os resultados das eleições da província de Catamarca e de Chubut. Para abafar o caso, criaram essa situação com os sindicalistas. Ouvi mais uma vez que “essa coisa de ataque à liberdade de imprensa é invenção de grupos de poder em toda a América Latina” e que “Clarín é a Globo de vocês”. Ficou claro que não conheciam os grupos O Estado e Folha de São Paulo.

Que civilidade! Um país com uma imprensa pluralista e um povo politizado, consciente e acima de tudo educado.

Em casa, os jornais brasileiros mostravam que a mobilização de Clarín junto a SIP tinha dado resultado. Estadão, Folha de São Paulo e Globo denunciaram em editorial o ataque à liberdade de imprensa e a ameaça à democracia praticados pelo governo de Cristina Kirchenner.

A TV Globo chegou a dizer que “toda a nação Argentina estava consternada”. Na verdade, Clarín tinha se tornado o riso do povo argentino, naquela segunda feira, que jubilava com o sucesso da operação sindical.

Nem uma palavra da imprensa brasileira sobre o conflito sindical que se arrasta desde que o grupo de mídia despediu 120 funcionários de sua empresa Artes Gráficas Rioplatense –AGR, por atividades sindical. Depois de muita luta os funcionários da AGR foram reintegrados, mas, segundo eles, sofrem desrespeitos, agressões e desprezo por sua condição de sindicalistas.

Diante da falta de medidas para reverter a situação, os 120 funcionários, seus filhos e esposas se prostraram diante da AGR e impediram o caminhão do grupo de distribuir o Jornal nas bancas.

Os jornais brasileiros poderiam ter procurado falar com os manifestantes ou entrevistar, aleatoriamente, o povo argentino para saber sua opinião. Mas, como sempre, ouviu só um dos lados, o que é o primeiro crime contra a liberdade de expressão e a verdade.

Outra notícia do dia deixou Clarín e Nation consternados: Hugo Chaves foi homenageado pela Faculdade de Jornalismo de La Plata com o prêmio Rodolfo Walsh – jornalista e escritor vítima da ditadura Argentina, por sua contribuição à comunicação popular e à democracia.

Goste ou não de Chaves, a escolha mostra que a democracia na Argentina funciona e a pluralidade de opinião é a regra.

Outra informação colhida junto ao povo: Cristina vencerá as eleições desse ano para continuar o que tem feito pelo país. Levantou a indústria e criou cinco milhões de emprego.

O Clarín, como a imprensa brasileira, não define mais eleições no país. E isso lhes parece insuportável. E A SIP então, representa o quê?

quarta-feira, 23 de março de 2011

O ministro “moreno escuro” do STF e seus pares

Por Dalva Teodorescu


O deputado Júlio Campos, do DEM-MT, se referiu ao ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa como “moreno escuro”, quando defendia a prisão especial para autoridades.

A preocupação do deputado do DEM era que o processo fosse parar nas mãos do ministro negro, conhecido pelo rigor de sua atuação.

A fala do deputado virou notícia como um ato de preconceito e racismo. O que de fato é.

Mas ao expressar seu preconceito, o deputado Júlio Campos fez um enunciado igualmente grave: o Ministro certamente não compactuaria com um privilégio que a sociedade repudia; já os outros ministros do STF seriam mais frouxos em seguir tal princípio.

Curiosamente, nenhum deles se pronunciou sobre o assunto. Teriam os outros ministros do STF concordado com o deputado do Mato Grosso?

A relação do Estadão com Lula ou: Je t’aime, moi non plus

Por Dalva Teodorescu


A canção de Serge Gainsbourg pode ilustrar a relação que o Jornal O estado de São Paulo mantém com o ex-presidente Lula.

Uma vez por semana, no mínimo, o Jornal dedica um de seus famosos editoriais ao ex-presidente.

Quase três meses depois de Lula ter deixado o cargo, o Jornal parece não conseguir se desvencilhar do peso de sua estatura.

Duas leituras são possíveis:

Uma delas remete à psicanálise: Ninguém precisa ser especialista em Freud para perceber que o espaço dispensado ao ex-presidente corresponde à profunda admiração que o Jornal tem, se não pela pessoa de Lula, por sua inteligência visionária e por sua enorme capacidade de ter colocado o Brasil na cena global.

Mais do que admiração, uma sorte de amor reprimido, impossível de ser declarado, por serem de mundos opostos. Como nos romances do século XIX. Diante dessa impossibilidade age como velhos amantes que preferem se digladiar para manter a chama.

A segunda leitura remete à esfera do preconceito de classe. E aqui o Estadão não sai engrandecido.

Qualquer que seja a explicação, uma coisa é certa: teremos que conviver com mais quatro anos de ladainhas sobre o estilo Lula. Aqui, o Jornal atua como porta voz oficioso daqueles que não conseguem viver sem o fantasma do retorno do metalúrgico, nas eleições de 2014.