terça-feira, 27 de julho de 2010

10 mulheres são assassinadas por dia no país

Como nós chamamos atenção recentemente, a grande imprensa faz que não vê a conexão entre os assassinatos de mulheres. No blog do Azenha, o Vi o mundo, Conceição Lemes escreve sobre o assunto, mostra dados importantíssimos e uma análise que vai no ponto da questão. O texto se intitula "Em briga de marido e mulher já se mete a colher, sim!" Resolvi não reproduzir o título em destaque por conhecer um texto acadêmico com o mesmo nome, então preferi evitar a confusão. Agora vamos ao texto.

Em briga de marido e mulher já se mete a colher, sim!

Por Conceição Lemes

Janeiro. O ex-marido de Maria Islaine de Morais, 31 anos, a executa diante das câmeras de vídeo do seu salão de beleza em Belo Horizonte (MG).


Abril. Orestina Soares, 53 anos, de Duque de Caxias (RJ), é assassinada a pedradas pelo namorado. Engenho de Dentro (RJ): Dayana Alves da Silva, 24 anos, morre devido a queimaduras dois meses de o ex-marido atear-lhe fogo no corpo. Mônica Peixinho, 28 anos, é morta com um tiro na nuca em Lauro de Freitas (BA); seu companheiro é o principal suspeito é seu companheiro.

Maio. Mércia Nakashima, 28 anos, é assassinada em Nazaré Paulista (SP); seu ex-namorado é o principal suspeito.

Junho. Eliza Samudio, 25 anos, é assassinada em Vespasiano (MG) porque tentava provar que Bruno, ex-goleiro do Flamengo, era pai do seu filho.

A imensa maioria, porém, dessas estúpidas tragédias femininas não sai nos jornais. No Brasil, agressões contra as mulheres ocorrem a cada 15 segundos. Quanto mais machista a cultura local, maior a violência contra a mulher. Os responsáveis por seus assassinatos são principalmente os atuais ou antigos maridos, namorados ou companheiros.

O Mapa da Violência no Brasil 2010, feito com base no banco de dados do Sistema Único de Saúde (DataSUS), revela: entre 1997 e 2007, 41.532 mulheres morreram vítimas de homicídio, o que significa dez mulheres assassinadas por dia no país.

“As mulheres são menos vítimas de assassinatos do que os homens”, explica Julio Jacobo Wiaselfisz, autor do estudo. “Porém, o nível de assassinato feminino no Brasil fica acima do padrão internacional. Enquanto aqui ocorrem 4,2 assassinatos femininos por 100 mil habitantes, na maioria dos países europeus, os índices não ultrapassam 0,5 caso por 100 mil.”

CRESCE PROCURA PELO DISQUE 180; MAIORIA MORA COM AGRESSORES

Essa semana a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, da Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), divulgou o número de atendimentos de janeiro a maio de 2010. Somaram 271.719, um aumento de 95,5% em relação aos primeiros cinco meses de 2009 (138.985).

Nesse período, a Central 180 registrou 51.354 relatos de violência. Foram 29.515 casos de violência física, 13.464 de violência psicológica, 6.438 de violência moral, 887 de violência patrimonial, 1.060 de violência sexual, 42 situações de tráfico e 207 casos de cárcere privado.
“A procura pelos serviços da Central 180 aumentou nos primeiros cinco meses de 2010 devido à campanha nacional ‘Uma vida sem violência é um direito de todas as mulheres’, realizada no final de 2009”, acredita a ministra Nilcéa Freire, da SPM. “Também por causa da maior divulgação da Lei Maria da Penha.”

O relatório SEPM deste ano traz informações inéditas:
* 39,8% declararam que sofrem violência desde o inicio da relação.
* 38% disseram que a relação com o agressor tem mais de 10 anos de duração.
* 71,7% residem com o agressor.
* 68,9% relataram que os filhos presenciam a violência; 15,6 dos filhos sofrem também violência.
* 58, 2% das mulheres que buscam o Disque 180 têm entre 20 e 45 anos, 68,3% estão casadas ou em união estável e 28,9% possuem nível médio de escolaridade.

E VOCÊ, JÁ FOI VÍTIMA DE VIOLÊNCIA MASCULINA?

Pense um pouco na convivência com seu marido, companheiro, noivo, namorado. Alguma vez ele:

1) Xingou-a ou fez com que você se sentisse mal a respeito de si mesma?

2) Depreciou ou humilhou você diante de outras pessoas?

3) Ameaçou machucá-la ou alguém de que você gosta, como pessoas queridas ou animais de estimação?

4) Deu-lhe um tapa ou jogou algo em você que poderia machucá-la?

5) Empurrou-a ou deu-lhe um tranco/chacoalhão?

6) Deu-lhe um chute, arrastou ou surrou você?

7) Ameaçou usar ou realmente usou arma de fogo, faca ou outro tipo de arma contra você?

8) Forçou-a fisicamente a manter relações sexuais quando você não queria?

9) Você teve relação sexual porque estava com medo do que ele pudesse fazer?

10) Forçou-a a uma prática sexual degradante ou humilhante?


“Se respondeu afirmativamente a pelo menos uma dessas perguntas, você já foi ou está sendo submetida à violência por parte do parceiro”, alerta a médica Lilia Blima Schraiber, professora do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, no capítulo Relacionamento do livro Saúde – A hora é agora. As questões 1, 2 e 3 indicam violência psicológica; 4, 5, 6 e 7, violência física; e 8, 9 e 10, violência sexual. Freqüentemente, os três tipos estão sobrepostos.

No livro, a professora Lilian Blima Schraiber, que pesquisa a violência contra a mulher, responde algumas dúvidas muito comuns:
 Mas essas situações não seriam apenas agressão ou abusos?

– Uma fala rude, um tapinha, um empurrão ou um beliscão não são normais entre casais?
Não. E não. Todas essas vivências são formas de violência e causam prejuízos à saúde física e mental. Só que as próprias mulheres nem sempre as percebem como violência, pois provocam uma dor sem nome. Pior. Por desinformação, desconhecimento dos seus direitos, vergonha, medo, insegurança econômica, amor pelo agressor, falta de apoio familiar e social, entre outras dificuldades, freqüentemente agüentam caladas. É como se esse fosse o único destino.

O preço do silêncio é alto: a escalada da violência doméstica e a busca tardia de saídas, quando às vezes vidas – da mulher, dos filhos ou do parceiro – estão em risco. Agudos ou crônicos, sinais e sintomas dos sofrimentos e abusos se distribuem por todo o corpo: desde diarréias, sangramentos vaginais, doenças sexualmente transmissíveis, dores de cabeça, musculares, abdominais e no peito, até depressão, ansiedade, negligência dos autocuidados, abuso de álcool e outras drogas e suicídio.

- Então, o que fazer?

Violência à mulher é problema de saúde pública. Se pintar briga, discussão, desentendimento, ciúmes, sente-se para conversar com o parceiro. O ideal é resolver tudo por meio do diálogo, inclusive a eventual separação. Agora, se for difícil lidar sozinha com a situação, busque ajuda de amigos, familiares, organizações não-governamentais, delegacias da mulher. A violência pode aumentar de intensidade e colocar em risco você e sua família. Aja enquanto ela ainda não descambou para a tragédia.

“Em briga de marido e mulher se mete a colher, sim”, avança Lilia Schraiber, pondo abaixo um velho e arraigado ditado popular. Bruno, ex-goleiro do Flamengo, usou-o em março para defender Adriano, então colega de time, que havia batido na noiva.

“Muitas vezes a própria mulher não tem consciência da ameaça”, observa Lilia Schraiber. Se é você amiga, vizinha ou parente, dê-lhe um toque. Se perceber que a situação está fora de controle, não hesite em chamar a polícia. O silêncio e o imobilismo são cúmplices da violência. Os comportamentos agressivos transgridem os direitos humanos. Questão de respeito ao direito e à dignidade da pessoa.

– Mas os homens também não são vítimas de violência doméstica, não são?

Com certeza, são. Mas as grandes vítimas da violência doméstica são as mulheres, as crianças (os meninos, mais a física; e as meninas, mais a sexual) e os idosos. Tanto que, segundo estudos feitos no Brasil e no exterior, mais de 90% das violências perpetradas contra a mulher ocorrem no ambiente familiar, e o agressor é pessoa conhecida – freqüentemente, o parceiro. Já entre os homens é o inverso. Mais de 90% dos atos de violência são cometidos por outros homens, geralmente desconhecidos, e em espaços públicos.

"Apesar dessas diferenças de taxas, toda e qualquer violência deve ser prevenida: no espaço público e privado, contra mulheres, homens, crianças e idosos”, frisa Lilia. “De novo, uma questão de respeito ao direito e à dignidade humana.”

COMO SE PROTEGER MAIS: USE ESTAS ARMAS A SEU FAVOR

Conheça a Lei Maria da Penha na íntegra – Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Central Disque 180 – É o disque-denúncia para violência contra a mulher. Vale para todo o território nacional, e a ligação é gratuita. Atende todos os dias, inclusive finais de semana e feriados, durante as 24 horas.
A Central funciona com atendentes capacitadas em questões de gênero, nas orientações sobre o enfrentamento à violência contra a mulher e, principalmente, na forma de receber a denúncia e acolher as mulheres.
Além de encaminhar os casos para os serviços especializados, a Central fornece orientações e alternativas para que a mulher se proteja do agressor. Ela é informada sobre seus direitos legais, os tipos de estabelecimentos que pode procurar, conforme o caso, dentre eles as delegacias de atendimento especializado à mulher, defensorias públicas, postos de saúde, instituto médico legal para casos de estupro, centros de referência, casas abrigo e outros mecanismos de promoção de defesa de direitos da mulher.
Cfemea – Oferece informações sobre legislação e direitos da mulher.
Secretaria de Políticas para Mulheres – Entre outros assuntos, contém uma relação de serviços de atendimento específicos para a mulher.
Reiteramos. Em briga de marido e mulher, namorado e namorada, companheiro e companheira, se mete a colher, sim! É por todas nós, mulheres. É também por todos vocês, homens.

Nota do Viomundo: O livro Saúde — A hora é agora, publicado pela editora Manole, tem como autores a repórter Conceição Lemes, o médico Mílton de Arruda Martins, professor titular de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP, e o médico Mario Ferreira Junior, responsável pelo Centro de Promoção de Saúde do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Um comentário:

  1. Gostei das informações postadas e aproveito este espaço para divulgar que a Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, com sede em Porto Alegre, está implementando em todo o país a Campanha Ponto Final na Violência Contra as Mulheres e Meninas. A Ponto Final é uma ação aberta a todos e todas que consideram a violência contra as mulheres e meninas inaceitáveis. Um dos seus objetivos é mudar as atitudes e crenças sociais relacionadas à discriminação, desigualdades e iniquidades de gênero que sustentam e promovem a violência contra as mulheres. A Campanha Ponto Final pode ser acessada no www.redesaude.org.br/portal/pontofinal. Mais informações pelo email:campanhapontofinal@gmail.com
    Abraços,
    Vera Daisy
    Jornalista/Porto Alegre/RS

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