Por Daniela
Felizmente o debate que se instaurou sobre o livro "Por uma vida melhor" conseguiu transcender o senso comum e a tendência à estagnação que não raro se verifica em relação a diversos temas que precisariam ser profundamente debatidos em sociedade. Na minha opinião o fato reflete a maturidade dos pesquisadores e professores da área que se posicionaram, dos escritores que se manifestaram, bem como da população que mostrou por meio de seus comentários em inúmeros blogs e sites que entende muito bem todas as entrelinhas dos discursos-armadilhas da grande imprensa.
Indico algumas leituras abaixo que julgo indispensáveis para quem se interessou pelo tema. Após os links, transcrevo, na íntegra, a Nota de Repúdio da Abralin - Associação Brasileira de Linguística - contra a cobertura tendenciosa da imprensa, que encontrei no Nassif, conforme link também abaixo.
Aproveito para agradecer a todas as pessoas de fibra que comentaram, e ajudaram a divulgar, o texto do Mulheres de Fibra. Acredito que a blogosfera deu mais um passo importante em direção à expansão da democracia.
A próxima etapa, como ressaltou a nota da Abralin, seria debater as reais questões que colocam obstáculos ao ensino da língua materna. Segundo a Associação: "entendemos que o ensino de língua materna não tem sido bem sucedido, mas isso não se deve às questões apontadas. Esse é um tópico que demandaria uma outra discussão muito mais profunda, que não cabe aqui.". Talvez esse seja um bom momento para iniciar essa discussão. E então, qual é o tipo de Educação que o Brasil precisa? Quais são mesmo os maiores empecilhos para a melhoria do ensino no País?
Links - leituras indispensáveis:
De Marcos Bagno, "POLÊMICA OU IGNORÂNCIA? DISCUSSÃO SOBRE LIVRO DIDÁTICO SÓ REVELA IGNORÂNCIA DA GRANDE IMPRENSA" http://marcosbagno.com.br/site/?page_id=745
De Lívia Perozim, "FALSA QUESTÃO" http://www.cartacapital.com.br/carta-na-escola/falsa-questao
De José de Souza Martins, "MESTIÇAGENS DA LÍNGUA PORTUGUESA", publicado no Aíás, Estadão (22.05.2011), e você pode ler no http://www.eagora.org.br/arquivo/mesticagens-da-lingua
No Blog do Mello entenda "Por que a Abril está soltando os cachorros em cima do Haddad com o livro 'Por uma vida melhor' " com o artigo de Alceu Nader, "AS EMRESAS NÃO TÊM IDEOLOGIA, TÊM NEGÓCIOS" http://blogdomello.blogspot.com/2011/05/por-que-abril-esta-soltando-os.html
Também com vídeo do programa Entre Aspas da Globo News, um artigo que está no Viomundo http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/livro-didatico-x-lingua-popular-escritores-riem-da-tese-da-velha-midia.html
Outra delícia de vídeo: http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1512976-7823-CONVIDADOS+DEBATEM+SOBRE+AS+POLEMICAS+DA+LINGUA+PORTUGUESA,00.html
Em algum lugar li um texto maravilhoso do Professor Sírio Possenti, mas não consegui localizá-lo novamente, se alguém tiver notícias, por favor me avise.
Agora, a Nota da Abralin, que você também pode ler no Nassif: http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/abralin-divulga-nota-de-repudio
Língua e ignorância
Nas duas últimas semanas, o Brasil acompanhou uma discussão a respeito do livro didático Por uma vida melhor, da coleção Viver, aprender, distribuída pelo Programa Nacional do Livro Didático do MEC. Diante de posicionamentos virulentos externados na mídia, alguns até histéricos, a ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LINGUÍSTICA - ABRALIN - vê a necessidade de vir a público manifestar-se a respeito, no sentido de endossar o posicionamento dos linguistas, pouco ouvidos até o momento.
Curiosamente é de se estranhar esse procedimento, uma vez que seria de se esperar que estes fossem os primeiros a serem consultados em virtude da sua expertise. Para além disso, ainda, foram muito mal interpretados e mal lidos.
O fato que, inicialmente, chama a atenção foi que os críticos não tiveram sequer o cuidado de analisar o livro em questão mais atentamente. As críticas se pautaram sempre nas cinco ou seis linhas largamente citadas. Vale notar que o livro acata orientações dos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) em relação à concepção de língua/linguagem, orientações que já estão em andamento há mais de uma década. Além disso, não somente este, mas outros livros didáticos englobam a discussão da variação linguística com o intuito de ressaltar o papel e a importância da norma culta no mundo letrado. Portanto, em nenhum momento houve ou há a defesa de que a norma culta não deva ser ensinada. Ao contrário, entende-se que esse é o papel da escola, garantir o domínio da norma culta para o acesso efetivo aos bens culturais, ou seja, garantir o pleno exercício da cidadania. Esta é a única razão que justifica a existência de uma disciplina que ensine língua portuguesa a falantes nativos de português.
A linguística se constituiu como ciência há mais de um século. Como qualquer outra ciência, não trabalha com a dicotomia certo/errado. Independentemente da inegável repercussão política que isso possa ter, esse é o posicionamento científico. Esse trabalho investigativo permitiu aos linguistas elaborar outras constatações que constituem hoje material essencial para a descrição e explicação de qualquer língua humana.
Uma dessas constatações é o fato de que as línguas mudam no tempo, independentemente do nível de letramento de seus falantes, do avanço econômico e tecnológico de seu povo, do poder mais ou menos repressivo das Instituições. As línguas mudam. Isso não significa que ficam melhores ou piores. Elas simplesmente mudam. Formas linguísticas podem perder ou ganhar prestígio, podem desaparecer, novas formas podem ser criadas. Isso sempre foi assim. Podemos ressaltar que muitos dos usos hoje tão cultuados pelos puristas originaram-se do modo de falar de uma forma alegadamente inferior do Latim: exemplificando, as formas "noscum" e "voscum", estigmatizadas por volta do século III, por fazerem parte do chamado "latim vulgar", originaram respectivamente as formas "conosco" e "convosco".
Outra constatação que merece destaque é o fato de que as línguas variam num mesmo tempo, ou seja, qualquer língua (qualquer uma!) apresenta variedades que são deflagradas por fatores já bastante estudados, como as diferenças geográficas, sociais, etárias, dentre muitas outras. Por manter um posicionamento científico, a linguística não faz juízos de valor acerca dessas variedades, simplesmente as descreve. No entanto, os linguistas, pela sua experiência como cidadãos, sabem e divulgam isso amplamente, já desde o final da década de sessenta do século passado, que essas variedades podem ter maior ou menor prestígio. O prestígio das formas linguísticas está sempre relacionado ao prestígio que têm seus falantes nos diferentes estratos sociais. Por esse motivo, sabe-se que o descon hecimento da norma de prestígio, ou norma culta, pode limitar a ascensão social. Essa constatação fundamenta o posicionamento da linguística sobre o ensino da língua materna.
Independentemente da questão didático-pedagógica, a linguística demonstra que não há nenhum caos linguístico (há sempre regras reguladoras desses usos), que nenhuma língua já foi ou pode ser "corrompida" ou "assassinada", que nenhuma língua fica ameaçada quando faz empréstimos, etc. Independentemente da variedade que usa, qualquer falante fala segundo regras gramaticais estritas (a ampliação da noção de gramática também foi uma conquista científica). Os falantes do português brasileiro podem fazer o plural de "o livro" de duas maneiras: uma formal: os livros; outra informal: os livro. Mas certamente nunca se ouviu ninguém dizer "o livros". Assim também, de modo bastante generali zado, não se pronuncia mais o "r" final de verbos no infinitivo, mas não se deixa de pronunciar (não de forma generalizada, pelo menos) o "r" final de substantivos. Qualquer falante, culto ou não, pode dizer (e diz) "vou comprá" para "comprar", mas apenas algumas variedades diriam 'dô' para 'dor'. Estas últimas são estigmatizadas socialmente, porque remetem a falantes de baixa extração social ou de pouca escolaridade. No entanto, a variação da supressão do final do infinitivo é bastante corriqueira e não marcada socialmente. Demonstra-se, assim, que falamos obedecendo a regras. A escola precisa estar atenta a esse fato, porque precisa ensinar que, apesar de falarmos "vou comprá" precisamos escrever "vou comprar". E a linguística ao descrever esses fenômenos ajuda a entender melhor o funcionamento das línguas o que deve repercutir no processo de ensino.
Por outro lado, entendemos que o ensino de língua materna não tem sido bem sucedido, mas isso não se deve às questões apontadas. Esse é um tópico que demandaria uma outra discussão muito mais profunda, que não cabe aqui.
Por fim, é importante esclarecer que o uso de formas linguísticas de menor prestígio não é indício de ignorância ou de qualquer outro atributo que queiramos impingir aos que falam desse ou daquele modo. A ignorância não está ligada às formas de falar ou ao nível de letramento. Aliás, pudemos comprovar isso por meio desse debate que se instaurou em relação ao ensino de língua e à variedade linguística.
Maria José Foltran
Presidente da Abralin/Gestão UFPR 2009-2011
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O artigo do prof Possenti está no Estadão de hoje e no blog do prof. Diafonso: http://profdiafonso.blogspot.com/2011/05/analisar-e-opinar-sem-ler.html
ResponderExcluirAgora, a ABL aí é devagar, né? Demorou muito, mas muito mesmo, pra se pronunciar.
Richard Jakubaszko