Terça-Feira, 28 de setembro de 2010
A mídia comercial em guerra contra Lula e Dilma
Leonardo Boff *
Sou profundamente pela liberdade de expressão em nome da qual fui
punido com o "silêncio obsequioso" pelas autoridades do Vaticano. Sob
risco de ser preso e torturado, ajudei a editora Vozes a publicar
corajosamente o "Brasil Nunca Mais", onde se denunciavam as torturas,
usando exclusivamente fontes militares, o que acelerou a queda do
regime autoritário.
Esta história de vida me avalisa fazer as críticas que ora faço ao
atual enfrentamento entre o Presidente Lula e a midia comercial que
reclama ser tolhida em sua liberdade. O que está ocorrendo já não é um
enfrentamento de ideias e de interpretações e o uso legítimo da
liberdade da imprensa. Está havendo um abuso da liberdade de imprensa
que, na previsão de uma derrota eleitoral, decidiu mover uma guerra
acirrada contra o Presidente Lula e a candidata Dilma Rousseff. Nessa
guerra vale tudo: o factóide, a ocultação de fatos, a distorção e a
mentira direta.
Precisamos dar o nome a esta mídia comercial. São famílias que, quando
veem seus interesses comerciais e ideológicos contrariados, se
comportam como "famiglia" mafiosa. São donos privados que pretendem
falar para todo Brasil e manter sob tutela a assim chamada opinião
pública. São os donos de O Estado de São Paulo, de A Folha de São
Paulo, de O Globo, da revista Veja, na qual se instalou a razão cínica
e o que há de mais falso e chulo da imprensa brasileira. Estes estão a
serviço de um bloco histórico assentado sobre o capital que sempre
explorou o povo e que não aceita um Presidente que vem desse povo.
Mais que informar e fornecer material para a discusão pública, pois
essa é a missão da imprensa, esta mídia empresarial se comporta como
um feroz partido de oposição.
Na sua fúria, quais desesperados e inapelavelmente derrotados, seus
donos, editorialistas e analistas não têm o mínimo respeito devido a
mais alta autoridade do país, ao Presidente Lula. Nele veem apenas um
peão a ser tratado com o chicote da palavra que humilha.
Mas há um fato que eles não conseguem digerir em seu estômago
elitista. Custa-lhes aceitar que um operário, nordestino, sobrevivente
da grande tribulação dos filhos da pobreza, chegasse a ser Presidente.
Este lugar, a Presidência, assim pensam, cabe a eles, os ilustrados,
os articulados com o mundo, embora não consigam se livrar do complexo
de vira-latas, pois se sentem meramente menores e associados ao grande
jogo mundial. Para eles, o lugar do peão é na fábrica produzindo.
Como o mostrou o grande historiador José Honório Rodrigues
(Conciliação e Reforma), "a maioria dominante, conservadora ou
liberal, foi sempre alienada, antiprogresssita, antinacional e não
contemporânea. A liderança nunca se reconciliou com o povo. Nunca viu
nele uma criatura de Deus, nunca o reconheceu, pois gostaria que ele
fosse o que não é. Nunca viu suas virtudes, nem admirou seus serviços
ao país, chamou-o de tudo -Jeca Tatu-; negou seus direitos; arrasou
sua vida e logo que o viu crescer ela lhe negou, pouco a pouco, sua
aprovação; conspirou para colocá-lo de novo na periferia, no lugar que
contiua achando que lhe pertence (p.16)".
Pois esse é o sentido da guerra que movem contra Lula. É uma guerra
contra os pobres que estão se libertando. Eles não temem o pobre
submisso. Eles têm pavor do pobre que pensa, que fala, que progride e
que faz uma trajetória ascedente como Lula. Trata-se, como se
depreende, de uma questão de classe. Os de baixo devem ficar em baixo.
Ocorre que alguém de baixo chegou lá em cima. Tornou-se o Presidente
de todos os brasileiros. Isso para eles é simplesmente intolerável.
Os donos e seus aliados ideológicos perderam o pulso da história. Não
se deram conta de que o Brasil mudou. Surgiram redes de movimentos
sociais organizados, de onde vem Lula, e tantas outras lideranças. Não
há mais lugar para coroneis e para "fazedores de cabeça" do povo.
Quando Lula afirmou que "a opinião pública somos nós", frase tão
distorcida por essa midia raivosa, quis enfatizar que o povo
organizado e consciente arrebatou a pretensão da midia comercial de
ser a formadora e a porta-voz exclusiva da opinião pública. Ela tem
que renunciar à ditadura da palabra escrita, falada e televisionada e
disputar com outras fontes de informação e de opinião.
O povo cansado de ser governado pelas classes dominantes resolveu
votar em si mesmo. Votou em Lula como o seu representante. Uma vez no
Governo, operou uma revolução conceptual, inaceitável para elas. O
Estado não se fez inimigo do povo, mas o indutor de mudanças profundas
que beneficiaram mais de 30 milhões de brasileiros. De miseráveis se
fizeram pobres laboriosos, de pobres laboriosos se fizeram classe
média baixa e de classe média baixa de fizeram classe média.
Começaram a comer, a ter luz em casa, a poder mandar seus filhos para
a escola, a ganhar mais salário, em fim, a melhorar de vida.
Outro conceito innovador foi o desenvolvimento com inclusão soicial e
distribuição de renda. Antes havia apenas desenvolvimento/crescimento
que beneficiava aos já beneficiados à custa das massas destituidas e
com salários de fome. Agora ocorreu visível mobilização de classes,
gerando satisfação das grandes maiorias e a esperança que tudo ainda
pode ficar melhor. Concedemos que no Governo atual há um déficit de
consciência e de práticas ecológicas. Mas, importa reconhecer que Lula
foi fiel à sua promessa de fazer amplas políticas públicas na direção
dos mais marginalizados.
O que a grande maioria almeja é manter a continuidade deste processo
de melhora e de mudança. Ora, esta continuidade é perigosa para a
mídia comercial que assiste, assustada, ao fortalecimento da soberania
popular que se torna crítica, não mais manipulável e com vontade de
ser ator dessa nova história democrática do Brasil. Vai ser uma
democracia cada vez mais participativa e não apenas delegatícia. Esta
abria amplo espaço à corrupção das elites e dava preponderância aos
interesses das classes opulentas e ao seu braço ideológico que é a
mídia comercial. A democracia participativa escuta os movimentos
sociais, faz do Movimento dos Sem Terra (MST), odiado especialmente
pela VEJA, que faz questão de não ver; protagonista de mudanças
sociais não somente com referência à terra, mas também ao modelo
econômico e às formas cooperativas de produção.
O que está em jogo neste enfrentamento entre a midia comercial e
Lula/Dilma é a questão: que Brasil queremos? Aquele injusto,
neocoloncial, neoglobalizado e, no fundo, retrógrado e velhista; ou o
Brasil novo com sujeitos históricos novos, antes sempre mantidos à
margem e agora despontando com energias novas para construir um Brasil
que ainda nunca tínhamos visto antes?
Esse Brasil é combatido na pessoa do Presidente Lula e da candidata
Dilma. Mas estes representam o que deve ser. E o que deve ser tem
força. Irão triunfar a despeito das más vontades deste setor
endurecido da midia comercial e empresarial. A vitória de Dilma dará
solidez a este caminho novo ansiado e construido com suor e sangue por
tantas gerações de brasileiros.
[Teólogo, filósofo, escritor e representante da Iniciativa
Internacional da Carta da Terra].
Fonte: www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=51181 ou http://www.viomundo.com.br/politica/leonardo-boff-os-abusos-da-midia-contra-lula-e-dilma.html
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